Morrem mais héteros que LGBTs? Candy Mel e Fefito explicam porque não é bem assim

  • Por Jovem Pan
  • 17/05/2018 11h41
Johnny Drum/Jovem Pan Apresentadores do "Estação Plural" debateram o Dia Internacional contra a Homofobia

No 17 de maio se comemora o Dia Internacional Contra a Homofobia. Se é que podemos falar em “comemoração”. De acordo com números oficiais do Grupo Gay da Bahia, apenas no Brasil 445 LGBTs foram assassinados em 2017. Ou seja, uma morte a cada 19 horas. Já o Disque 100, serviço de atendimento telefônico gratuito para denúncias, recebeu registros de 183 homicídios e cerca de 3 mil violações no mesmo ano. Alarmante, né? O problema é que, quando essa realidade é exposta, diversos “contra-argumentos” costumam aparecer para tentar maquiá-los. “Morrem muito mais heterossexuais” é um deles. E essa fala pode ser extremamente problemática. É o que o jornalista Fernando Oliveira, o Fefito, e a cantora Mel Gonçalves, a Candy Mel, explicaram durante participação no Morning Show.

“Esses dados não retratam a realidade. Por mais que os números transformem o Brasil no país que mais mata LGBTs no mundo, eles são ainda maiores. Falamos isso com base em nossa experiência. Existem muitos casos em que as delegacias não registram os crimes de transfobia. Eles viram ‘agressões’ apenas. Morrem mais heterossexuais que LGBTs? Sim, talvez, não sei. Acontece que nenhum deles morre por ser hétero. Ninguém chega e te ataca com uma lâmpada na cara gritando ‘seu hétero, tem que morrer’. Existe uma maquiagem nesse sentido”, disse Fefito.

Ele fez referência a uma situação que se tornou bastante simbólica no país. Foi em 2010, quando um grupo de três pessoas foi atacada com lâmpadas por motivações homofóbicas em plena Avenida Paulista. O crime gerou uma série de protestos e deu origem à Revolta da Lâmpada, iniciativa que organiza eventos para defender a bandeira da liberdade.

Vale explicar aqui que, durante a entrevista, embora o 17 de maio seja chamado de Dia Internacional Contra a Homofobia, os apresentadores e convidados usaram a expressão LGBTfobia. Isso porque, diferente do primeiro, o segundo termo diz respeito não somente a homens gays, mas a mulheres lésbicas, travestis, e homens e mulheres transexuais.

Agressões são graves – e não podem passar em branco

Candy Mel, nesse sentido, falou sobre a violência cometida contra pessoas trans. Com ela, as agressões começaram quando ainda era criança e nunca deixaram de acontecer. O último caso aconteceu recentemente e na época chegou a viralizar.

“É assim todos os dias, todas as horas, desde a infância. Em março, eu estava no Aeroporto do Galeão e dois rapazes quiseram me revistar dentro de uma cabine fechada porque constava ‘masculino’ no meu RG. Eles me trancaram e me coagiram, um abuso completo (…) Não houve diálogo, não me respeitaram. Me ameaçaram e me mandaram ficar pelada. Isso significa que minha identidade não é respeitada nesse país. Minha existência não importa para ninguém.As pessoas precisam abaixar o topete e ouvir a gente! Negar esse cenário é dizer que nossa morte não importa”, desabafou.

“Nossa vida é uma sequência de humilhações. Eu costumo dizer que o principal é a família. Quando você tem apoio, consegue passar por cima de todas as outras coisas. Se tem uma mãe e um pai que chegam junto, você tem proteção, fundamento, base. Não se deixa abater. Eu apanhei muito do meu pai. Fui espancada várias vezes. Graças a uma sorte, a meus orixás, minha vó tomou minha guarda e me criou depois com muito carinho. E mesmo com falta de entendimento! Não sabia nada sobre gênero, era muito evangélica e dura. Só que me deu essa estrutura de afeto, que é o que falta”, completou.

A história de Fefito tem pontos semelhantes, inclusive em relação a agressões do pai. “Eu cresci no interior de Pernambuco, estado que amo, mas é muito machista e homofóbico. Andando na rua me diziam coisas do tipo ‘você está carregando esse livro que nem menina’. Apanhava muito do meu pai por isso. Era muito humilhado. Mas no colégio foi pior. Chegar e ver minha foto com batom na cara escrito ‘viado’, voltar pra casa e ver um ônibus escrito ‘Fernandinho viado’. É muito difícil”.

Felizmente, sua relação com o pai mudou com o tempo e eles conseguiram se entender. Fora de sua casa, porém, não é igual. Recentemente, ele recebeu ameaças de morte de pessoas que nem conhece apenas por sua sexualidade. Na internet, desconhecidos espalharam até mesmo cartazes oferecendo R$ 10 mil a quem acabasse com sua vida.

O que fazer então?

É por esses e outros motivos que ressaltamos que o dia 17 de maio, mais do que qualquer coisa, deve servir como um momento de reflexão. Sendo você parte do mundo LGBT ou não! O problema da falta de respeito e da violência não é exclusivo das pessoas que as sofrem, mas, sim, responsabilidade de toda nossa sociedade.

“Imagino que deve ter gente achando que estamos posando de vítimas. É muito fácil nos colocar nesse papel quando você não passa por nada do que a gente passou. Não somos vítimas, somos adultos bem resolvidos, só não queremos que outros passem por isso”, finalizou o jornalista.

“O que mais nos prejudica é a falta de conhecimento. As pessoas são extremamente ignorantes. A educação no Brasil e no mundo é muito limitada em relação à diversidade. Proibir que se fale abertamente sobre LGBT é uma das piores violências. Se não se pode falar é porque é crime, é porque não pode existir. Todos têm que participar dessa vivência (…) Ainda falta muito, temos um longo caminho. E não podemos fechar os olhos para tudo isso que falta. Quando vermos LGBTs transitando em todas as instâncias de trabalho e vivendo normalmente, não reclamaremos mais”, concluiu Candy Mel.

Junto com Ellen Oléria, a dupla apresenta o programa Estação Plural na TV Brasil. Eles voltam a gravar a terceira temporada no mês que vem e os novos capítulos irão para o ar em julho. A cantora ainda poderá ser vista neste fim de semana na Virada Cultural da capital paulista. Ela subirá ao palco para fazer uma participação especial no show de Liniker no Parque da Juventude.

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